sexta-feira, junho 30, 2006

sonata sem fim para manoel de barros

ele surgiu assim
numa dessas viagens no rio
entre a névoa e a nuvem
entre o rumor e a bruma
onde a palavra soma
e o pássaro entoa

não trocamos mais do que bons dias
não rezamos juntos as ave-marias
não declaramos sequer uma poesia
que não o encontro
de nossas mãos mornas
e vazias

reconheci em seus olhos
a imagem nítida da paisagem
ele repetia em cada gesto
a precisão do remo na imagem
o sossego e a dispersão
das figuras de linguagem

ele não era senão metáfora de si mesmo
e eu - aprendiz -
de um velho poeta louco
domador da palavra e do sentido
capaz de lesma e gosma
capaz de tudo

não sei desde quando ou até
não sei se
ou senão
tomou me como a um café
de manhãzinha
e mijou-me
ao pé da mangueira

(por ele não me importaria em ser mijo
não me importaria, simplesmente)

naquela paisagem
onde as letras conformam as palavras
rio é mar, é riacho, é córrego e nascente
arrebol é mais que sol poente

naquele momento
em que o tempo pára
e tudo nasce
e envelhece e morre
quando o musgo vira árvore
e o sapo pedra
– é a hora do vamô vê !

e se foi ...

onde já se viu?

voou como um papel ao vento
como um pássaro ao entardecer


(na insignificância do desencontro
munidos de ciscos e restos
a tentação de desinibir as palavras
só para desiliminá-las depois)

Um comentário:

Anônimo disse...

que texto lindo Carol !!! a vida fluindo, fluindo...parabéns!!!
(andré)